Do Outro Lado Também Sou Eu



Hoje eu vi um fantasma!
Às três da manhã de uma insônia maldita,
Levantei cambaleante para atacar a geladeira,
Ou quem sabe olhar o vazio do céu pela janela.

Não enxergava um palmo diante dos meus olhos,
Era tudo trevas, escuro, inexistência.
Procurei o interruptor apalpando a parede
Da esquerda para a direita, pelo menos quatro vezes.

Não o achava de forma alguma,
Mania minha de nunca achar as coisas,
Como eu mesmo, por exemplo,
Nunca me achei no mundo, muito menos em mim.

Mas enfim...
Acabei desistindo, virei trinta e poucos graus
Para a esquerda e continuei meu caminho glutão-observador,
Agora buscando o frio metal da maçaneta da porta.

O achei com facilidade, diferente do bendito interruptor,
Talvez seja meu costume de nunca achar a luz,
Talvez tenha me acostumado com o escuro,
Mas nunca com minha própria sombra.

Saí do quarto e encontrei uma casa ainda mais sombria,
Meus passos ecoavam no imenso vazio da pequena sala de estar,
E eu lá estava, procurando alguma distração noturna,
Visto a clara traição de minha cama para com meu repouso diário.

Segui me guiando pelo canto da parede,
Logo eu já atravessava o portal que divide a sala da cozinha,
Achei o fogão, a mesa e enfim a geladeira.
Mas ela estava mais vazia do que minha própria alma.

E mais fria também.
Abandonada.
Esquecida.
Porém ligada e viva.

Decidi olhar o céu, as estrelas e a lua,
Para lembrar de alguém que outrora também me refletiu o brilho solar,
Mas era uma noite cinza, nublada, densa e carregada,
Não havia nada lá fora, e nem dentro, apenas eu.

Voltei me arrastando pelo canto novamente,
Logo cheguei ao meu solitário quarto.
De minha solitária cama.
De meu solitário eu.

A primeira apalpada na parede encontrou um interruptor,
Que interrompeu o silêncio escuro do ambiente,
Fez-se luz, clara, vívida,
Porém, o que ela revelara nada tinha a ver com vida.

Ela revelou o imenso espelho posicionado de frente pra porta.
E nele eu vi o reflexo de um homem.
Triste, prostrado, amargurado, solitário, esquecido...
O reflexo de um homem sem fé, sem amor.

Diante de mim, o reflexo.
Diante do reflexo, eu.
Sim, hoje eu vi um fantasma.
O fantasma que vi sou eu.

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