Ao léu e ao fel vivia o poeta morto, lastimando a cada letra
de sua poesia decadente um lapso de memória, de lembrança vil, virulenta, que
dilacerava como a mais afiada lâmina não só a carne, mas a mente, a alma e o
espírito corrompido. Leal ao amor havia sido o poeta, mas o que dele havia
obtido era o limite mais baixo da ingratidão. Lançou-se ao fundo do poço, ao
buraco mais profundo, distante, localizado ao norte de nenhum lugar e leste de
lugar nenhum. Logo o lençol de águas e lágrimas cobriu o poeta, afogando-o, mergulhando-o
nos seus próprios demônios, anseios e pesadelos. Tão profundo e distante que
seus lamentos já não se faziam mais ouvir. A bendita água amaldiçoava o homem
que um dia atrevera-se a amar e sobre o amor escrever, terminando o trabalho
que aquela falsa musa havia, antes mesmo do início, começado. Eis que de úmido
escuro faz-se clarão, no alto do poço nasce uma estrela que, tal qual a mais
ardente lanterna, vide a mim, guiar. Vi do fundo mais distante do mundo luzir o
teu farol, para, enfim, de lá, a mim, tirar. Sim, sou o poeta. Sim, nadei. Mas
não, no litoral não morrerei. Lentamente lapida-se a pedra lilás de lápis-lazúli
na forma de minha mulher. Lírio do jardim, labirinto de minha alma. Perder-me
em ti foi encontrar-me, enfim. Lento o vento leva e trás, lá e cá, loucuras em
chuva, em mar e re-amar. A liberdade livra os loucos das lastimáveis correntes
da falsidade, trazendo à tona a lasciva libertinagem outrora esquecida,
guardada. No linho da roupa que se rasga, no laço desfeito com o passado, na
libido a transbordar em lábios sedentos, na luz da Lua, nua, em litígio ao Sol que
se opõe, se pondo, distante, longe, no horizonte, tal qual o pôr-do-homem em
sua lápide, mortal e final. Fim de quem ama é, no fim, amar.
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